sexta-feira, 16 de setembro de 2011

E as angolanas são bonitas?

Como eu venho contando para vocês, estou adentrando com o meu sétimo ano a temática África. Melhor seria dizer, Áfricas porque quanto mais eu estudo, mais eu descubro e me apaixono por este universo, por este continente. A apostila da prefeitura tem me ajudado. Quem tiver curiosidade pode dar uma olhada nela aqui.

Para introduzir o tema, eu resolvi fazer com os alunos a dinâmica sugerida pelo programa "A cor da cultura", que consiste em classificar a África como sinônimo de desenvolvimento ou atraso, saúde ou doença, riqueza ou pobreza, estabilidade política ou instabilidade política, tribo ou civilização.

Levei o mapa político da África, distribuí esses pares palavras e pedi para que os alunos, em grupos, escolhessem uma classificação em cada um dos pares. Coloquei as classificações negativas em vermelho e as positivas em azul. O resultado não foi outro. Os grupos, sem exceção,  escolheram aspectos negativos. Alguns não sabiam o que era estabilidade e instabilidade política, mas assim que eu explicava eles diziam na mesma hora que só podia ser instabilidade.


Ao serem questionados sobre o motivo de suas escolhas, a maioria dos alunos disse que é isso que a televisão mostra. Alguns insistiam em dizer que a África era um país. Aí mostrei o mapa e disse que era um continente, com muitos países. Perguntei se eles saberiam me dizer o nome de três desses países sem olhar no mapa. Como eu desconfiava, a maioria não soube.

Fiz a experiência para confirmar algo que eu já sabia, que não ensinamos nada sobre África e que não ensinamos porque sabemos pouco ou não queremos saber.

Disse aos alunos que o que a TV mostra não é mentira. As guerras, a fome, a pobreza, tudo está lá, mas pedi para eles, enquanto moradores de uma favela para imaginar o que as pessoas pensam sobre moradores de favela. Será que a imagem que passa na TV corresponde a toda a realidade, a toda a verdade? Muitos disseram que não. Que às vezes, a TV mostra apenas a pobreza, os problemas. Chegaram onde eu queria ir.

Com a África, eu disse, também é assim. Embora as pessoas trabalhem, se divirtam, estudem, vivam, enfim, a TV insiste em mostrar apenas os aspectos negativos.

Pensei muito em um vídeo que descobri há uns dias justamente enquanto preparava essa aula. O vídeo se chama "O perigo de uma única história" e é a palestra de Chimamanda Adichie, uma jovem escritora nigeriana (linda e muito bem-humorada), filha de um professor universitário e de uma secretária. A palestra fala de estereótipo e de como enxergar somente através dos estereótipos pode ser redutor. A escritora fala dos males de acreditar em uma única história, de contar às crianças um única história, de enxergar os outros de uma forma que reduz a uma apenas uma característica ou a um conjunto de características quase sempre negativas.




É difícil evitar rótulos, porque nos definimos sempre em relação ao que consideramos como "outro". O perigo é quando tornamos aquele "rótulo", a única história possível sobre aquele "outro". Uma história definitiva, como diz Chimamanda. Isso se torna extremamente perigoso quando se trata de África. Se torna perigoso porque, segundo Chimamanda, não é que os estereótipos sejam mentira, mas eles são incompletos e acabam por roubar a dignidade das pessoas e enfatiza as diferenças, em detrimento das semelhanças,.

No caso brasileiro, se torna perigoso, quando nós  não vemos a África como parte de nós, mas como o "outro" em relação ao qual eu quero é preciso se diferenciar. Como podemos querer nos diferenciar de algo que está em nós, que faz parte das nossas raízes? Como podemos ter vergonha do que somos?

Em outra aula, na qual eu trabalhava uma temática completamente diferente, um menino chamou outro de angolano, com o intuito de ofender. Ao escutar, perguntei o que ele queria exatamente dizer com isso. Ele me respondeu que o colega (negros os dois, o que "xingou" e o que foi "xingado") era feio e por isso, angolano. Eu respondi a ele que nem todos os angolanos eram feios e que por coincidência, ou não, a mulher mais bonita do universo era angolana. Ele desconhecia o resultado do Miss Universo e eu disse a ele que a vencedora havia sido uma angolana. Ele fez cara de espanto e lançou a pergunta: "as angolanas são bonitas?".

Sim W. É uma pena que não tenham dito para você, mas as angolanas também podem ser bonitas.


Leila Lopes, angolana eleita Miss Universo 2011