domingo, 17 de junho de 2012

Hoje o tempo voa, escorre pelas mãos...

Esses dias estava pensando em um filme para passar para o 8.º ano, uma vez que eles estavam me cobrando. Estava  esperando a oportunidade, quando veio o assunto: Revolução Industrial. Um dos melhores filmes que conheço para trabalhar com o assunto é o clássico "Tempos Modernos", de Charles Chaplin. Eu mesma vi o filme na escola e conheci Chaplin a partir do mesmo. Na época achei genial.

Hoje em dia, os alunos conhecem muita coisa, tem acesso a muita coisa, mas apresentar um filme quase mudo para eles introduz uma linguagem diferente, à qual eles não estão acostumados. Não sei o motivo, mas Chaplin consegue chegar até eles. Acho que eles vão gostar. O filme na íntegra está no Youtube:


Atenção especial deve ser dada aos trechos iniciais do filme, em que aparece um relógio e um rebanho de ovelhas. Já trabalhei com a explicação da Revolução Indistrial previamente e tratei das mudanças introduzidas na produção e na vida das pessoas. Expliquei que para os trabalhadores a mudança para as cidades significou a adoção de novos hábitos, como a marcação do tempo pelo relógio e não mais pelos ciclos da natureza. Fiz um paralelo com os tempos de aula na escola e pelo filme eles poderão perceber que as fábricas também tinham um sinal sonoro para avisar os trabalhadores dos horários de entrada, trabalho, pausa e saída. Perguntei se eles conseguiam imaginar a nossa vida sem relógios nos dias de hoje. A maioria disse que não, pois tudo é marcado pelo relógio, inclusive o horário da novela na televisão (risos).

Outros pontos que podem ser abordados e que são muito presentes no filme são a divisão do trabalho, na qual cada trabalhador realizava uma etapa processo, a desumanização do trabalhador, sua coisificação, a glorificação do trabalho e o desemprego como degradação do homem.

Importante também atentar que, embora o filme seja de 1936 e tente retratar uma realidade da época pós-crise de 1929, as cenas iniciais das fábricas mostram situações e conflitos que começaram a se gestar  no século XVII com o surgimento das fábricas. 

Em seguida, pretendo discutir com os alunos esses pontos, retomando-os a partir do fragmento de "O nascimento das fábricas" de Edgar de Decca: 

"Dentre todas as utopias criadas a partir de século XVI, nenhuma se realizou tão desgraçadamente como a da sociedade do trabalho. Fábricas-prisões, fábricas-conventos, fábricas sem salário, que aos nossos olhos adquirem um aspecto caricatural, foram sonhos realizados pelos patrões e que tornaram possível esse espetáculo atual de glorificação do trabalho. Para se ter uma idéia da força dessas utopias realizadas impregnando todos os momentos da vida social a partir do século XVIII, basta considerarmos a transformação positivo do significado verbal da própria palavra trabalho, que até a época Moderna sempre foi sinônimo de penalização e de cansaços insuportáveis, de dor de esorço extremo, de tal modo que a sua origem só poderia estar ligada a um estado extremo de miséria e de pobreza. 

Introjetar um relógio moral no coração de cada trabalhador foi a primeira vitória burguesa, e a fábrica pareceu desde logo como uma realidade estarrecedora onde esse tempo útil encontrou o seu ambiente natural, sem que qualquer modificação tecnológica tivesse sido necessária. Foi através da porta da fábrica que o homem pobre, a partir do século XVIII, foi introduzido ao mundo burguês”.

(Edgar de Decca. O Nascimento das fábricas. São Paulo: Brasiliense. 1985. p. 10)


sexta-feira, 8 de junho de 2012

"A onda" ou o fascismo está em nós.

Quando eu estava ainda no ensino fundamental, no colégio municipal em que estudei, tive um professor de Geografia que era literalmente "o cão chupando manga". Na primeira prova dele apenas cinco pessoas (de uma turma de mais de 30) se safaram de tirar notas vermelhas. Com ele, tive a minha primeira experiência de fazer trabalhos em grupo de verdade, nos quais o grupo tinha que se reunir para pesquisar a fundo um assunto e organizar verdadeiramente os resultados da pesquisa. Obviamente, a maioria dos alunos não gostava dele. Eu não tinha uma opinião formada. Sempre gostei de estudar e sempre gostei de Geografia (não é à toa que enveredei pelo caminho da disciplina irmã, História) e não via problemas em "perder" o meu tempo com os trabalhos e provas. Entretanto, nunca gostei da maneira arrogante com a qual ele lidava com os alunos, como se fossem idiotas.
Eu mesma senti isso na pele uma vez quando tentei participar de uma aula sobre a Alemanha. Tentando mostrar que já tinha ouvido falar sobre o assunto nazismo, mencionei que vira na televisão um filme sobre uma moça alemã que escondeu judeus em casa e assim salvara a vida deles. Eu não me lembro o nome do filme. Meu professor disse secamente que nós não deveríamos ver esses filmes que mostravam alemães salvando a vida de pobres judeus, pois eles eram tendenciosos. Obviamente, naquela época não entendi muito bem o motivo dessa "proibição", entretanto, hoje entendo muito bem.

Naquela época, o filme mais famoso sobre o Holocausto era "A Lista de Schindler", juntando A + B poderíamos pensar, do alto dos nossos 12, 13 anos que todos os alemães fizeram das tripas coração para salvar judeus em apuros e realmente não era essa a ideia. Alguns alemães podem sim ter arriscado a sua vida para esconder judeus em perigo, mas em contrapartida, quantos outros alemães apoiaram o nazismo? Quantos viam os judeus desaparecer sem se questionar para onde estavam indo? Quantos sabiam do extermínio praticado nos campos? Pesquisas recentes mostram que, ao contrário das versões que dizem que as atrocidades nazistas eram desconhecidas da maioria da população, a sociedade alemã tinha acesso a essas informações por meio da imprensa.

 
(Para entrevista com o autor, ver o link: http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/os-alemaes-sabiam-e-aplaudiam-atrocidades-do-nazismo)

Hoje, professora, estava justamente discutindo com outra professora de História esses dias, como os assuntos Segunda Guerra Mundial e Holocausto interessam os alunos do ensino fundamental. Eles questionam e trazem referências anteriores sobre o assunto vista, sobretudo, em filmes. Comentávamos até que esse interesse todo merecia um estudo.
"A Onda" é um filme espetacular justamente por mostrar uma experiência educacional - que a princípio teria tudo para ser bem sucedida para explicar o fenômeno do nazi-fascismo. O objetivo era mostrar na prática aos alunos como funciona o mecanismo de envolvimento dos regimes totalitários e evidenciar como esses regimes buscavam não somente subjugar as pessoas, mas, sobretudo, conquistá-las.
O filme é baseado em uma experiência ocorrida na Califórnia em 1967. Tal experiência já tinha dado origem a livros e a um documentário. Ganha  agora, a versão do cinema alemão, que vem produzindo filmes espetaculares para reflexão sobre fenômenos da história recente, tais como "Adeus Lênin" e "A vida dos outros".



Ao tentar explicar para seus alunos o funcionamento de um regime autocrático, o professor de ensino médio Rainer Wegner (Jürgen Vogel) é questionado por eles sobre a possibilidade de um regime como o nazista ascender nos dias de hoje. Rainer propõe uma experiência de forte cunho teatral: cria um grupo e torna-se o líder dele. Logo, o grupo ganha um nome "A Onda", uniformes, um slogan e é aí que as coisas começam a fugir do controle. Os alunos, envolvidos com "A Onda" começam a praticar atos de vandalismo, bem como agressões e coação aos alunos que não pertencem ao grupo. Quando o professor tenta encerrar a experiência, é tarde demais.


É um filme que vale a pena ser assistido por professores juntamente com seus alunos, ou não e suscita questões filosóficas acerca da necessidade de pertencimento, a tendência humana a abrir mão da liberdade em prol de uma causa e a intolerância, assunto tão em voga nos dias de hoje em diversos países, dentre eles o Brasil.
Por fim, deixo o discurso do professor Rainer Wegner, proferido no filme como fonte de reflexão:

“Vocês trocaram sua liberdade pelo luxo de se sentirem superiores. Todos vocês teriam sido bons nazi-fascistas. Certamente iriam vestir uma farda, virar a cabeça e permitir que seus amigos e vizinhos fossem perseguidos e destruídos. O fascismo não é uma coisa que outras pessoas fizeram. Ele está aqui mesmo em todos nós. Vocês perguntam: como que o povo alemão pode ficar impassível enquanto milhares de inocentes seres humanos eram assassinados? Como alegar que não estavam envolvidos. O que faz um povo renegar sua própria história? Pois é assim que a história se repete. Vocês todos vão querer negar o que se passou em “A onda’. Nossa experiência foi um sucesso. Terão ao menos aprendido que somos responsáveis pelos nossos atos. Vocês devem se interrogar: o que fazer em vez de seguir cegamente um líder? E que pelo resto de suas vidas nunca permitirão que a vontade de um grupo usurpe seus direitos individuais. Como é difícil ter que suportar que tudo isso não passou de uma grande vontade e de um sonho”.

A questão permanece: o fascismo está mesmo em nós?