sábado, 31 de agosto de 2013

I have a dream.

Essa semana celebramos os cinquenta anos da declaração de Martin Luther King que se tornou um grito que ecoou por todo o mundo como um apelo por uma sociedade mais justa e igualitária. O discurso, apesar do meio século que o separa de nós, não envelheceu. O pastor naquele dia não falou somente aos negros, mas a todos os americanos. Seu sonho estava profundamente enraizado no sonho americano.



Nos Estados Unidos, assim como no Brasil houve escravidão. Guardadas as devidas especificidades, ambas as sociedades se tornaram profundamente desiguais após o fim da escravidão. Nos Estados Unidos a segregação se deu de forma institucionalizada, escancarada. O melhor recurso que conheço para trabalhar a história do Estados Unidos é um trecho do filme "Tiros em Columbine". A animação satírica foi feita pelos mesmos autores da série South Park e embora contenha muitos estereótipos mostra como a história norte-americana é permeada pelo preconceito e pela violência e como as duas coisas estão profundamente ligadas lá.



No Brasil nos orgulhamos por muito tempo de ser uma sociedade livre do racismo e da discriminação racial. Sabemos hoje que não é bem assim. A ideia da formação do povo brasileiro por meio do encontro harmônico entre as raças criou a falácia da democracia racial. Somos um povo pacífico, fraterno e receptivo. Após o fim da escravidão o negro não " achou todas as avenidas abertas diante de si" como afirmava Joaquim Nabuco?
A resposta é não.  Dentre outros indicativos, o Censo 2010 mostrou que, dos 16 milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza (ou com até R$ 70 mensais), 4,2 milhões são brancos e 11,5 milhões são pardos ou pretos. Entre os brasileiros que ganham menos de um salário mínimo, 63% são negros e 34% são brancos. Dos brasileiros mais ricos, 11% são negros e 85% são brancos. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Racismo_no_Brasil#cite_note-2)
Atualmente, pesquisas mostram que boa parte dos brasileiros reconhece a existência de preconceito racial no Brasil.  A pobreza por aqui tem cor, tem cara e o racismo existe, ainda que de forma camuflada.
Tal desigualdade fica mais visível quando invertemos a situação. É o que mostra o curta "Vista Minha Pele" que passei para os alunos de 6.º a 9.º  ano no dia da consciência negra no ano passado. 


Os alunos ficam incomodados porque percebem que algo está "errado". A história mostra Maria, uma menina branca pobre que vive estuda em um colégio particular graças a uma bolsa.  A situação do filme é hipotética e nele os negros são o grupo econômica e socialmente dominante. Na escola ela é hostilizada por sua cor e condição social. Por meio da inversão vários estereótipos surgem no espaço escolar, ficam visíveis e são desnaturalizados.  Um exemplo muito banal de como o preconceito está enraizado na sociedade brasileira é o fato do cabelo crespo ser desqualificado como "cabelo ruim". Por que? Por que cabelo liso é bom e crespo é ruim? 

Voltando ao discurso de Luther King lembrei de um filme que sempre passo para os meus alunos dos oitavos e nono anos e que ajuda a mostrar que a fala dele é mais do que atual. 

Não encontrei o filme disponível no Youtube, mas deixo a música com cenas do filme "Escritores da Liberdade" . É fácil de encontrar em locadoras e barato para quem quiser comprar.



Gosto do filme e busco a partir dele levar os meus alunos a refletir como a educação pode mudar a autopercepção daqueles adolescentes fadados ao fracasso. O filme faz sucesso entre os meus adolescentes por retratar o preconceito racial, as drogas, a desmotivação e a falta de respeito, realidades muito familiares para muitos dos meus alunos, em sua maioria moradores da comunidade do Borel.
Terminar o post com uma comparação entre o caso brasileiro e o norte-americano talvez fosse mais coerente. Entretanto, vou terminar com algumas considerações sobre a polêmica convocação de médicos cubanos para trabalhar no Brasil e algumas questões pessoais. 

Assisti consternada à recepção nada acolhedora que os médicos cubanos tiveram em terras brasileiras (Ué, mas não éramos um povo pacífico e acolhedor?). Uma jornalista potiguar chegou ao cúmulo de afirmar que as médicas cubanas tinham cara de "empregadas domésticas". Clara referência ao fato das médicas serem negras. Não estamos acostumados a ver médicos negros. Não estamos acostumados a ver negros em posição de destaque na sociedade e nem percebemos que isso é expressão de um racismo que está entranhado na nossa sociedade e não de uma condição natural decorrente do passado escravista. 

Entretanto, entre todas as frases, a que mais me chamou a atenção foi a do médico cubano Juan Delgado que disse que eles não vieram pelo dinheiro e sim para ajudar, que seriam escravos sim (mais uma vez o preconceito, chamar os médicos de escravos), mas dos doentes, que atuariam onde fossem mais necessários e que os médicos brasileiros deveriam fazer o mesmo.



Esse episódio me deixou muito triste porque todos os dias desde que entrei na Rede Municipal de Ensino tenho questionado a minha escolha profissional de ser professora da escola pública. O salário é baixo, os problemas infindos, as condições ruins e os alunos difíceis. Não sou rica, não tenho reconhecimento nenhum de quase nenhuma parte, leio todos os dias notícias na internet de professores que abandonam a profissão. Entretanto, a frase me fez refletir que estou onde deveria estar. Estou onde mais precisam de mim. Pena no momento eu não poder mostrar isso aos meus alunos e não poder passar o filme dos "Escritores da Liberdade". Acredito que por uma boa causa. Acredito que faço minhas escolhas também pensando neles. Acredito, acredito... Que bom que eu ainda acredito. Que bom que eu ainda tenho um sonho. 






terça-feira, 14 de maio de 2013

As múltiplas faces de Tiradentes

Sempre achei que a matéria do oitavo ano é a mais complicada de se fazer entender para as mentes adolescentes. A começar pela temática do Iluminismo: o que se vê é um desfilar de ideias que a meu ver, para os estudantes não têm o menor sentido. Ainda mais, porque quase nunca contamos com os recursos necessários para tornar a história mais atraente.
Há pouco tempo estive em Ouro Preto, em Minas Gerais e adoraria poder falar de mineração no Brasil mostrando as antigas minas de ouro, as igrejas, os museus. Entretanto, não nos é possível nem ir ao Palácio Tiradentes, que fica aqui no Rio de Janeiro, mesmo. Sobram problemas como falta de transporte, de verbas e faltam soluções viáveis para tornar os passeios realidade.
Como então, fazer os alunos entenderem a Inconfidência Mineira? Muitos dos meus alunos não sabiam nem quem foi Tiradentes, alguns já tinham "ouvido falar" e sabiam apenas que era "comemorado" o seu "dia" com um feriado.
Assim, precisava primeiro apresentar a eles essa figura que como nós historiadores bem sabemos, é controvertida. Sua imagem como herói e mártir foi construída muito tempo depois de sua morte, no período da República. Não foram preservados registros fidedignos de sua aparência, o que deu margem para diversas representações da mesma.
Pensei que apenas mostrar imagens diferentes de Tiradentes não prenderia a atenção dos alunos. Buscando inspiração em uma aula sobre Inconfidência Mineira consultada no Portal do Professor (http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=26388) e o material produzido pela Revista de História da Biblioteca Nacional (http://www.revistadehistoria.com.br/naescola/tiradenteseoaltar.pdf) tive a ideia de apresentar aos alunos de maneira diferente as "múltiplas faces de Tiradentes".

Descobri na internet alguns sites que fazem quebra-cabeças a partir de qualquer arquivo de imagem do seu computador. Os sites são esses:

http://www.efeitoespecial.com.br/efeito-especial/quebra-cabeca.php

http://www.scrapee.net/criar-quebra-cabeca.htm

Assim, consegui quatro imagens "quebradas" de Tiradentes. A ideia era separar os alunos em grupos e deixar que colassem os quebra-cabeças na cartolina e depois que cortassem e montassem os mesmos.

As imagens ficaram assim:








Juntamente com cada imagem "quebrada" eu distribuí também a "solução" em tamanho menor. Os alunos se empenharam bastante na montagem dos quebra-cabeças.







Por meio dessa atividade consegui explicar a associação da imagem de Tiradentes à de Jesus Cristo, como na última imagem dos quebra-cabeças e a exaltação de sua figura promovida a posteriori. Expliquei também que como não existia fotografia na época, não se sabe exatamente como Tiradentes foi, uma vez que todas as figuras que eles estavam montando foram produzidas posteriormente. Consegui fazer os alunos entenderem de certa forma que imagens nem sempre representam a realidade e que pessoas e coisas podem ser alvo de mitificação e se tornarem símbolos, adquirindo uma importância que não tinham em sua época. Dito tudo isso, pude falar de Inconfidência Mineira colocando Tiradentes em seu "devido lugar".