segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A paz que eles não querem

No início desse ano, tive de deixar a escola municipal na qual estava trabalhando desde que assumi na rede, em 2009. Não foi voluntariamente que o fiz. Esse ano a Secretaria Municipal de Educação resolveu continuar com uma política de implementação de projetos de correção de fluxo escolar para alunos defasados. A proposta é que cada uma dessas turmas tenha apenas um professor, responsável pelo encaminhamento de todas as disciplinas do currículo. Logo, houve uma diminuição no número de turmas de alunos regulares nas escolas onde os projetos foram implementados.
A escola em que estava, recebeu alguns desses projetos. Como eu era a última professora da disciplina História a assumir (e antiguidade no magistério municipal, é posto), tive que procurar outra escola para chamar de minha e acabei caindo na área da Tijuca, mais especificamente no sub-bairro (se é que isso existe) da Usina.
Aí, tudo novo, de novo. Nova escola, nova direção, novos alunos, novos colegas de trabalho, novas condições. Outra estrutura. Os alunos são em sua maioria do Morro do Borel.
Tive medo. Medo do novo, mas também medo de cair no que minha colega Fátima chama de o Hades da rede municipal. Não é preciso ter muita experiência para saber que a rede tem escolas que são perfeitos Olimpos, mas que tem muito mais escolas semelhantes ao inferno de Dante, nas quais a frase do portal tal como descrita na Divina Comédia, se encaixa perfeitamente: "Deixai toda esperança, ó vós que entrais!"


Frase escrita numa porta arrombada de sala de aula numa escola municipal carioca.

Acabei me surpreendendo porque a escola não era o que eu estava pensando. Tem seus problemas, como todas as escolas da rede, mas tem uma direção muito engajada, que trabalha dia e noite para que a escola funcione bem. Apesar de tudo. Os professores também me surpreenderam positivamente. São professores que se importam com os alunos (minha curta experiência na rede mostra que o contrário não é difícil de achar), que se importam com o seu trabalho.
Bem, mesmo assim, ainda não seria essa vez que eu conseguiria completar a minha carga horária ensinando unica e exclusivamente a disciplina para a qual eu fiz concurso.
A escola não tinha quatro turmas de História para fechar a carga horária e acabei ficando com três turmas de projeto de correção de fluxo. Minha tarefa: dar um tempo, apenas um tempo por semana em cada uma dessas turmas. Parece fácil, né? Mas não é. Os alunos são multirrepetentes, muito desmotivados, indisciplinados. Muitas vezes esse um tempo me fazia repensar a minha escolha pelo magistério e se não era melhor abandonar tentar outros caminhos.
Com essas turmas eu procuro fazer um trabalho de aproximação entre eles (não imaginam como é difícil fazer eles se respeitarem um pouco e se colocar no lugar do próximo) e reflexão sobre temas como drogas, gravidez na adolescência, etc. Entretanto, uma após a outra, minhas tentativas de tornar aqueles cinquenta minutos mais agradáveis fracassavam.
Outro dia, tentei fazer com os alunos dessas turmas um trabalho sobre os significados da paz. Levei como como motivação e ponto de partida as letras das músicas "Minha alma" do Rappa e "Eu só quero é ser feliz" da dupla Cidinho e Doca. Conversando com os alunos sobre os significados da paz para eles, percebi que os referenciais deles acerca da paz são muito diferentes dos nossos e eles percebem isso. O trabalho até que deu certo e rendeu a confecção de cartazes sobre a paz que em breve eu posto aqui.

2 comentários:

  1. Ora, que bom. Você acabou de descobrir que o "caminho do coração" não nos é ensinado da Academia. Em alguns momentos, você vai chorar, em outros vai se supreeender. E, voltando ao Hades, só relembro que alguns heróis mitológicos andaram por lá e mudaram o curso de algumas narrativas. Não temos a força de Héracles, mas também fazemos nossos atos heroicos cotidianos.

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  2. Tenho certeza que onde você estiver haverá ao menos uma professora dedicada, e fico feliz em saber que a educação pública está em melhores mãos do que costumamos imaginar.
    Sei que desisti do magistério antes mesmo de iniciar na profissão, mas acredito que questionar nossas escolhas e mesmo pensar em desistir é inerente ao processo de reflexão de quem sr importa e se dedica ao que está fazendo. A realidade dos seus alunos é dura, você sabe disso, e as expectativas são frágeis, mas nada que não possa ser trabalhado.

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