sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Não vou me adaptar

2016 está chegando ao fim. Junto com o jingle natalino chiclete de uma famosa loja varejista que todo mundo conhece e da Simone cantando o batido verso que nos interroga com o dedo em riste "E o que você fez?", vêm as reflexões sobre o ano que passou.

Em 2016 eu voltei a ler livros por prazer, aliás, retomei o hábito da leitura que sempre foi o um dos meus maiores prazeres, escrevi meu texto de qualificação do doutorado, voltei a ver Gilmore Girls (uma das minhas séries preferidas de todos os tempos), comecei a me exercitar regularmente e a comer melhor. Tudo isso só foi possível porque, depois de sete anos na educação pública me afastei da sala de aula e cheguei a pensar em desistir da profissão. Aliás, ainda não estou bem certa ainda do que vou fazer quanto a isso.

29 anos, retorno de Saturno, crise dos 30 ou o que quiserem chamar. Passei a sentir um imenso desconforto toda vez que entrava em uma sala de aula. Ou mesmo antes de entrar. Passava mal de vomitar, mesmo. Pressão baixava, ficava tonta. Crises de choro sem fim. Passei a questionar a importância de estar ali, a significância do que estava ensinando. Me achei péssima professora. Passei a achar que o problema era comigo, com a História. Cheguei a achar que não servia para a profissão, que estava no lugar errado, na hora errada. Questionei minhas escolhas, afinal, como alguém aos 17 anos pode fazer uma escolha para a vida toda? Pensei em fazer outras faculdades, artesanato, abrir uma hamburgueria gourmet (com que dinheiro?), um canal no Youtube. "Rompi tratados. Traí os ritos". Assustada com a contingência de perder a sanidade que me restava, achei que estava na hora de dar um tempo. E estava mesmo.

Confesso que os tempos não são os melhores para a profissão docente e principalmente para quem concebe a educação como um ato político e reflexivo. Mas não vou tratar disso. Não agora.

Duas coisas ontem no mundo facebookiano me fizeram pensar sobre minha relação com a educação. e de repente tudo fez sentido, ou não. A primeira delas foi uma postagem aparentemente inocente na qual eu fui marcada logo de manhã pelo meu marido. A postagem trazia a imagem de uma sala de aula e a seguinte questão:

Quem era você? Uma classe arrumada em fileiras contendo os estereótipos mais clichês de alunos. Estão todos ali: o dorminhoco, o malandro, as fofoqueiras, o casalzinho apaixonado, o que não sai do celular, o gótico, o que vive no mundo da lua, os populares, os nerds...



A segunda postagem foi uma carta muito bonita que a Elika Takimoto escreveu para a filha dela Nara, quando foi sua professora, em 2014. Só esclarecendo, a Elika é professora de Física do CEFET aqui no Rio de Janeiro. A carta foi escrita em um momento em que a Elika estava em uma "crise existencial sem tamanho" com a profissão. Palavras dela.

Uma frase da carta foi o catalisador da reação que se processou em mim:

"luto por um CEFET em que os melhores alunos não sejam aqueles que se adaptam à escola e sim aqueles que fazem a escola se reinventar para melhor servi-los"

Na prática isso é muito difícil de fazer porque eu sempre fui a aluna número 1 da imagem. Eu sempre me adaptei muito bem à escola. Talvez lá no fundo eu não entenda os alunos que não se adaptam, embora tente com todas as forças. Eu sempre respeitei meus professores, mesmo quando não concordava com o que eles diziam. Se eu sempre fui uma aluna no padrão, como eu conseguiria ser uma professora fora do padrão? Ainda não sei.

Só sei que não quero mais ensinar os alunos informações inúteis que eles inevitavelmente vão esquecer. Não quero fazer parecer que o Enem é o dia do juízo final. Ou sentir que estou falando sozinha para as paredes sobre assuntos que só a mim interessam. Ou aplicar provas tradicionais. Aliás, corrigir prova é a pior parte de ser professora para mim. Odeio com todas as minhas forças. Não quero ensinar, quero ajudar a aprender. Quero aprender junto.

Pela primeira vez na vida me peguei não cabendo mais nas roupas que eu cabia. E o refrão martelando na minha cabeça "Não vou me adaptar". 

Não é fácil, não é bonito não se adaptar. É você contra o mundo. É preciso ter humildade para catar os cacos e persistir no que acredita. É preciso ouvir o outro, mesmo discordando. Não sei ainda se consigo.

Finalizo com um trecho do livro que li mais recentemente. Nele a personagem principal Jean Louise, volta para sua cidade natal Maycomb, um pequeno condado no sul dos Estados Unidos, depois de um longo período morando em Nova York. Percebe que por ali pouco ou nada mudou e se depara com o racismo escancarado nas relações cotidianas da pequena cidade. Jean Louise quer virar as costas para Maycomb e ir embora para sempre, mas acha que não se sentirá em casa em nenhum outro lugar do mundo. Não pactua com o racismo dos habitantes do lugar, mas não tem coragem de enfrentá-los dia após dia pelo que acredita. A frase abaixo é dita pelo tio de Jean Louise, que tentar lhe explicar o que está acontecendo com ela. A tomada de consciência faz parte do processo de travessia e para que Jean Louise se torne senhora de suas convicções ela tem que percorrer um duro caminho. 

"A ilha de cada homem (...) o vigia de cada um é sua própria consciência. Não existe essa coisa de consciência coletiva." LEE, Harper. Vá, coloque um vigia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2015. p. 239.

A escola nesse momento é minha Maycomb. 





sábado, 2 de janeiro de 2016

Parodiando a História

Antes de começar a minha vida profissional fiz estágio docente em uma escola espetacular, à qual tive o privilégio de retornar ano passado como professora. O que faz essa escola ser tão espetacular são os alunos. Eles topam muita coisa. Eles são empolgados e esse é o meu combustível. Uma professora incrível dessa escola nos meus tempos de estágio me disse que o segredo da docência é deixar os alunos fazerem as coisas. É jogar para eles. Isso era muito difícil de aceitar para mim. Eu estava começando na profissão, ainda nos curso superior, ambiente no qual é reputado como bom professor aquele que é capaz de dar uma "boa aula". Boa aula aqui entendida quase sempre como uma boa palestra. Em resumo, o bom professor é aquele que tem a capacidade de transmitir o que sabe por meio da palavra e somente por meio dela.

Passados alguns anos como professora, hoje eu entendo que uma "boa aula" principalmente no ensino básico (penso que no superior também, mas nesse eu tenho menos experiência) pressupõe muito mais que uma boa oratória e um excelente domínio do chamado conteúdo. Escutei certa vez uma conversa na qual um colega dizia para o estagiário que estava montando sua primeira aula: "Você pode chegar e dizer um monte de coisas lá na frente da turma, mas isso não é uma aula".  

Para uma aula ser uma aula ela tem que ter começo, meio e fim. É necessário pensar atividades adequadas a cada faixa etária com a qual se está trabalhando. É necessário didatizar o conteúdo, de forma que a aula se torne algo dinâmico. Algumas atividades vão dar certo e outras não. O trabalho de professor também pressupõe aceitar que não dá para acertar sempre. Estamos lidando com pessoas e pessoas são imprevisíveis. Isso torna tudo melhor, mas é difícil pensar que o meu trabalho não  depende só de mim. 

Seria mais simples e seguro chegar com uma aula expositiva preparada e despejar o conteúdo em cima dos alunos sem margens ou brechas para a participação deles. Entretanto, tenho entendido cada vez mais que as melhores aulas são aquelas na qual os alunos podem se expressar e tenho buscado isso. 

A princípio os alunos vão odiar. É muito mais fácil um professor que "faz o seu trabalho" e eles podem ficar "na deles". É muito mais fácil um professor que tasca a matéria no quadro e pede pra copiar.  

Há uns meses atrás uma colega de twitter postou a seguinte frase: 


Isso parece ser simples de compreender, mas não é. Claro que ninguém está dizendo que qualquer um pode ser professor ou que não é preciso preparo para tal. É justamente o contrário. Mas quanto mais se entende que todo o preparo do mundo não garantem uma boa aula se o "professor" pretende continuar falando como se estivesse sozinho, melhor a aula fica. Quanto menos se pretende ensinar, no sentido professoral da coisa, melhor é o diálogo. Com isso, a gente perde a vergonha de se expor e fica mais à vontade diante da turma.



Não se trata de virar um professor do tipo showman, (no meu caso showoman, se isso existir)  como os muitos de cursinho que a gente vê por aí, se esse não for o estilo da pessoa. Também não se trata de achar que todas as aulas têm que agradar a todos os alunos. Como eu disse, em muitos momentos os alunos vão odiar as proposições e vão querer apenas um professor que os deixe em paz.  Trata-se de descobrir o que se sabe fazer de melhor e usar isso na sala de aula.

Eu gosto de cantar. Não sei se canto bem ou mal, mas não tenho vergonha de fazer isso em público. Esse ano resolvi convidar os alunos a fazer da sala de aula um espaço descontraído onde pudéssemos cantar algumas vezes. A proposta era que eles elaborassem paródias sobre a matéria que estávamos estudando, no caso as revoltas regenciais. Em troca, cantei uma paródia que tinha feito com meus alunos de outra escola sobre o período regencial. 

As paródias ficaram ótimas e renderam boas risadas. Mesmo os alunos tímidos participaram. Foi um dos pontos altos do ano. Pena que não guardei nenhuma delas para postar aqui.

Abaixo: a letra da paródia que fiz com os alunos da Rede Municipal sobre o período regencial em cima da letra da música Price Tag, da cantora Jessie J.




Período Regencial

Período Regencial, muitas revoltas, muito caos
D. Pedro foi embora e deixou o seu filho seguir o legado imperial
Ele era só uma criança, não poderia entrar na dança
Três regentes foram lá para o país governar
Fazer então a paz reinar

Todo mundo olhou para o Norte
Todo mundo olho para o Sul
O povo se agitou
Rebeliões organizou

Maranhão a Balaiada, ada ada
Grão-Pará a Cabanagem, agem, agem
No Sul a Farroupilha,
Na Bahia os Malês

Fome e tristeza, não não não não
Presidentes de província, não não não não
O povo não aguenta mais
Vai querer se separar





domingo, 27 de dezembro de 2015

Histórias do Brasil

A temática da viagem no tempo inspirou e ainda inspira muitos livros e filmes. Clássicos da ficção científica como "Os 12 Macacos" passando pela divertida franquia "O Exterminador do Futuro" e até mesmo a saga Harry Potter já exploraram a tônica que parece ser uma fonte inesgotável para o entretenimento destinado a todas as faixas etárias. Recentemente, em 21 de outubro de 2015, comemoramos com festa a data da chegada de Marty Mac Mc Fly ao futuro. O personagem do grande sucesso dos anos 1980, "De volta para o futuro 2", chegou ao nosso presente, que era o futuro distante daquelas pessoas. Só que nós não nos parecemos muito com aquelas pessoas "futurísticas". Não temos skate voador e nem carros que flutuam, mas é bom saber que o filme foi visionário em diversos aspectos. 

É difícil acreditar, mas cientistas de verdade têm se debruçado sobre a questão da possibilidade de empreender tais viagens, como podemos perceber a partir do vídeo do canal Nerdologia.


A partir do vídeo acima, aprendemos que viagens no tempo são possíveis, embora nunca tenham sido tentadas (ou foram? Não entendi direito o vídeo). Como sou historiadora e historiadores são mais estraga prazeres que os cientistas, me pergunto: Se pudéssemos de fato viajar para um passado distante, como nos filmes de Sessão da Tarde que eu assistia quando eu era criança, como conseguiria me comunicar com as pessoas? Ou não conseguiria? 


O historiador e geógrafo norte-americano David Lowenthal é autor de um livro intitulado "O passado é um país estrangeiro". Um fragmento traduzido do livro pode ser baixado aqui

O texto se inicia com a epígrafe do historiador britânico G. M. Trevelyan: 

"A poesia da história repousa no fato quase milagroso de que, por esta mesma terra, por este mesmo chão familiar, já caminharam outros homens e mulheres, tão reais quanto nós, com pensamentos próprios, levados pelas próprias paixões, todos mortos agora, gerações e gerações completamente desaparecidas, da mesma forma que nós muito em breve desapareceremos como fantasmas no raiar do dia."

Lowenthal se mostra cético quanto à possibilidade de se compreender integralmente o passado, chegando a afirmar que à medida em que progredimos no conhecimento do passado, esse se torna cada vez mais remoto e menos cognoscível. Entretanto, acredito que a maneira apontada na epígrafe é um bom caminho para o ensino de História. 

Percebo que quanto mais os alunos se aproximam do passado por meio de histórias de pessoas reais ou possíveis, a atenção deles aumenta e o incognoscível se torna tangível. 

Claro que não podemos perder de vista totalmente a perspectiva do estrangeirismo no conhecimento do passado. Devemos nos esforçar para mostrar para os alunos que aquelas pessoas não pensavam como nós, que tinham seus próprios códigos e princípios. 

Partindo dessa perspectiva, é importante ressaltar que os vídeos da série Histórias do Brasil se mostram um instrumento admirável para ajudar os professores na aproximação dos alunos com o Brasil do passado. Os episódios da série contam histórias particulares intercaladas com o depoimento de prestigiados professores e pesquisadores. A curta duração dos capítulos ajuda a utilização didática, já que cada um têm em torno de 25 minutos. Cada capítulo é ambientado em um momentos  diferente da história do país (de 1530 a 1958). A linguagem é simples e os figurinos e cenários são fruto de cuidadosa pesquisa. 

Em todos os episódios, temos a impressão de que o que sabíamos sobre aquela época não era o bastante e descobrimos coisas que nem imaginamos. Descobrimos que embora aquela seja a nossa história, somos estrangeiros nela. 

Todos os episódios estão disponíveis no Youtube com boa qualidade. Disponibilizamos o link do primeiro: 


Boa viagem! 


quarta-feira, 13 de maio de 2015

O que é escola?


Tenho pensado muito sobre o papel da escola nesse nosso mundão de Deus. Por que colocamos diariamente crianças enfileiradas para tentar ensinar algo? Por que a nossa escola segue um modelo de séculos atrás se claramente ouvimos diariamente nas salas de professores que "os alunos não são mais os mesmos". Por que tentar obter resultados diferentes fazendo sempre tudo igual?

Acho que o nosso modelo de escola está muito aquém das necessidades dos alunos de hoje. Mas o que colocar no lugar se nem esse modelo consegue funcionar a contento? A instituição escola perdeu sua função? Um vídeo assistido recentemente vêm me ajudando a pensar sobre tais questões.


É um projeto modesto, em formato de documentário produzido com professores, funcionários e alunos da escola Lourenço Castanho, uma das mais caras de São Paulo. E uma das "melhores", quando esse "melhor" é medido a partir dos índices no ENEM, é claro.




Apesar de discordar totalmente de algumas falas, me identifiquei com a fala de uma das professoras:

"Só vira professor quem tem uma espécie de gratidão com a herança que recebeu, a oportunidade de transmitir às novas gerações aquilo que a humanidade já produziu de melhor, aquilo que a gente acha que é válido, aquilo que a gente acha que deve permanecer no mundo mesmo quando a gente não tiver mais aqui. O que elas farão com isso a gente não sabe."

É bem isso mesmo. Toda educação é baseada no que a gente julga importante transmitir às novas gerações. O que nós professores julgamos melhor? O que tem atravancado o nosso caminho na "transmissão" desse melhor? Não sei, mas desconfio de muita coisa.


segunda-feira, 30 de junho de 2014

De volta a lugar nenhum - Parte 1

    Já faz quase um ano que não escrevo no blog, por vários motivos. O primeiro deles é que voltei ao "quase lugar". O lugar desconfortável das pessoas que não conseguem se realizar em algum aspecto. Como esse blog é profissional, cheguei ao lugar da desestância na minha profissão. Pensando retrospectivamente, a última vez que escrevi foi em meio à greve do ano passado. Não me recuperei totalmente da greve de 2013. A experiência de luta coletiva é enriquecedora, mas também muito desgastante. Você fica um tempo apostando todas as suas fichas em prol daquela luta e quando volta para a escola se depara com uma realidade que é tão dura quanto quando você entrou em greve. De que adiantou? O que conseguimos?

    Na volta da greve de 2013 passei um vídeo do desenho do Bob Esponja para os alunos. Achei que era a metáfora perfeita porque no fim das contas tínhamos apenas um pífio aumento no contracheque e os problemas todos continuavam lá. Salas lotadas, falta de recursos, dificuldades de prender a atenção dos alunos. Não sou daqueles professores que acham que a matéria está dada a despeito dos alunos. Quero atenção, sim. Quero que eles aprendam, sim. Só que a realidade é tão distante da expectativa...
 
   Nós ainda ficamos com o ônus de repor as aulas perdidas da greve em dois meses. Trabalhamos contra-turno, sábados, ficamos até mais tarde na escola. Tudo isso contando com a falta de vontade dos alunos que se sentiam prejudicados e injustiçados de estarem ali um minuto que fosse a mais do que o necessário porque os professores haviam ousado fazer greve. Nunca senti tão forte a repulsa dos alunos pela escola e por nós professores. Nunca me senti tão impotente e tão desimportante. É triste perceber que não é só na minha escola que isso acontece. É triste perceber que professores nos quais eu me espelhava estão se deixando abater pela dura realidade. O combustível do nosso trabalho é o interesse, nossa ferramenta é o diálogo. Se não há diálogo, se não há interesse por parte dos alunos não vejo como pode haver aprendizado.

Professores tão jovens quanto eu estão perdendo as esperanças todos os dias. Como podemos estimular os alunos se as nossas forças se esgotam dia após dia? Como posso preparar boas aulas se a tecnologia avança a cada dia e tudo o que eu tenho de recurso na minha sala é um quadro branco e alguns livros didáticos? Se alguém tiver a resposta, me fale. Preciso desesperadamente dela.

 






sábado, 31 de agosto de 2013

I have a dream.

Essa semana celebramos os cinquenta anos da declaração de Martin Luther King que se tornou um grito que ecoou por todo o mundo como um apelo por uma sociedade mais justa e igualitária. O discurso, apesar do meio século que o separa de nós, não envelheceu. O pastor naquele dia não falou somente aos negros, mas a todos os americanos. Seu sonho estava profundamente enraizado no sonho americano.



Nos Estados Unidos, assim como no Brasil houve escravidão. Guardadas as devidas especificidades, ambas as sociedades se tornaram profundamente desiguais após o fim da escravidão. Nos Estados Unidos a segregação se deu de forma institucionalizada, escancarada. O melhor recurso que conheço para trabalhar a história do Estados Unidos é um trecho do filme "Tiros em Columbine". A animação satírica foi feita pelos mesmos autores da série South Park e embora contenha muitos estereótipos mostra como a história norte-americana é permeada pelo preconceito e pela violência e como as duas coisas estão profundamente ligadas lá.



No Brasil nos orgulhamos por muito tempo de ser uma sociedade livre do racismo e da discriminação racial. Sabemos hoje que não é bem assim. A ideia da formação do povo brasileiro por meio do encontro harmônico entre as raças criou a falácia da democracia racial. Somos um povo pacífico, fraterno e receptivo. Após o fim da escravidão o negro não " achou todas as avenidas abertas diante de si" como afirmava Joaquim Nabuco?
A resposta é não.  Dentre outros indicativos, o Censo 2010 mostrou que, dos 16 milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza (ou com até R$ 70 mensais), 4,2 milhões são brancos e 11,5 milhões são pardos ou pretos. Entre os brasileiros que ganham menos de um salário mínimo, 63% são negros e 34% são brancos. Dos brasileiros mais ricos, 11% são negros e 85% são brancos. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Racismo_no_Brasil#cite_note-2)
Atualmente, pesquisas mostram que boa parte dos brasileiros reconhece a existência de preconceito racial no Brasil.  A pobreza por aqui tem cor, tem cara e o racismo existe, ainda que de forma camuflada.
Tal desigualdade fica mais visível quando invertemos a situação. É o que mostra o curta "Vista Minha Pele" que passei para os alunos de 6.º a 9.º  ano no dia da consciência negra no ano passado. 


Os alunos ficam incomodados porque percebem que algo está "errado". A história mostra Maria, uma menina branca pobre que vive estuda em um colégio particular graças a uma bolsa.  A situação do filme é hipotética e nele os negros são o grupo econômica e socialmente dominante. Na escola ela é hostilizada por sua cor e condição social. Por meio da inversão vários estereótipos surgem no espaço escolar, ficam visíveis e são desnaturalizados.  Um exemplo muito banal de como o preconceito está enraizado na sociedade brasileira é o fato do cabelo crespo ser desqualificado como "cabelo ruim". Por que? Por que cabelo liso é bom e crespo é ruim? 

Voltando ao discurso de Luther King lembrei de um filme que sempre passo para os meus alunos dos oitavos e nono anos e que ajuda a mostrar que a fala dele é mais do que atual. 

Não encontrei o filme disponível no Youtube, mas deixo a música com cenas do filme "Escritores da Liberdade" . É fácil de encontrar em locadoras e barato para quem quiser comprar.



Gosto do filme e busco a partir dele levar os meus alunos a refletir como a educação pode mudar a autopercepção daqueles adolescentes fadados ao fracasso. O filme faz sucesso entre os meus adolescentes por retratar o preconceito racial, as drogas, a desmotivação e a falta de respeito, realidades muito familiares para muitos dos meus alunos, em sua maioria moradores da comunidade do Borel.
Terminar o post com uma comparação entre o caso brasileiro e o norte-americano talvez fosse mais coerente. Entretanto, vou terminar com algumas considerações sobre a polêmica convocação de médicos cubanos para trabalhar no Brasil e algumas questões pessoais. 

Assisti consternada à recepção nada acolhedora que os médicos cubanos tiveram em terras brasileiras (Ué, mas não éramos um povo pacífico e acolhedor?). Uma jornalista potiguar chegou ao cúmulo de afirmar que as médicas cubanas tinham cara de "empregadas domésticas". Clara referência ao fato das médicas serem negras. Não estamos acostumados a ver médicos negros. Não estamos acostumados a ver negros em posição de destaque na sociedade e nem percebemos que isso é expressão de um racismo que está entranhado na nossa sociedade e não de uma condição natural decorrente do passado escravista. 

Entretanto, entre todas as frases, a que mais me chamou a atenção foi a do médico cubano Juan Delgado que disse que eles não vieram pelo dinheiro e sim para ajudar, que seriam escravos sim (mais uma vez o preconceito, chamar os médicos de escravos), mas dos doentes, que atuariam onde fossem mais necessários e que os médicos brasileiros deveriam fazer o mesmo.



Esse episódio me deixou muito triste porque todos os dias desde que entrei na Rede Municipal de Ensino tenho questionado a minha escolha profissional de ser professora da escola pública. O salário é baixo, os problemas infindos, as condições ruins e os alunos difíceis. Não sou rica, não tenho reconhecimento nenhum de quase nenhuma parte, leio todos os dias notícias na internet de professores que abandonam a profissão. Entretanto, a frase me fez refletir que estou onde deveria estar. Estou onde mais precisam de mim. Pena no momento eu não poder mostrar isso aos meus alunos e não poder passar o filme dos "Escritores da Liberdade". Acredito que por uma boa causa. Acredito que faço minhas escolhas também pensando neles. Acredito, acredito... Que bom que eu ainda acredito. Que bom que eu ainda tenho um sonho. 






terça-feira, 14 de maio de 2013

As múltiplas faces de Tiradentes

Sempre achei que a matéria do oitavo ano é a mais complicada de se fazer entender para as mentes adolescentes. A começar pela temática do Iluminismo: o que se vê é um desfilar de ideias que a meu ver, para os estudantes não têm o menor sentido. Ainda mais, porque quase nunca contamos com os recursos necessários para tornar a história mais atraente.
Há pouco tempo estive em Ouro Preto, em Minas Gerais e adoraria poder falar de mineração no Brasil mostrando as antigas minas de ouro, as igrejas, os museus. Entretanto, não nos é possível nem ir ao Palácio Tiradentes, que fica aqui no Rio de Janeiro, mesmo. Sobram problemas como falta de transporte, de verbas e faltam soluções viáveis para tornar os passeios realidade.
Como então, fazer os alunos entenderem a Inconfidência Mineira? Muitos dos meus alunos não sabiam nem quem foi Tiradentes, alguns já tinham "ouvido falar" e sabiam apenas que era "comemorado" o seu "dia" com um feriado.
Assim, precisava primeiro apresentar a eles essa figura que como nós historiadores bem sabemos, é controvertida. Sua imagem como herói e mártir foi construída muito tempo depois de sua morte, no período da República. Não foram preservados registros fidedignos de sua aparência, o que deu margem para diversas representações da mesma.
Pensei que apenas mostrar imagens diferentes de Tiradentes não prenderia a atenção dos alunos. Buscando inspiração em uma aula sobre Inconfidência Mineira consultada no Portal do Professor (http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=26388) e o material produzido pela Revista de História da Biblioteca Nacional (http://www.revistadehistoria.com.br/naescola/tiradenteseoaltar.pdf) tive a ideia de apresentar aos alunos de maneira diferente as "múltiplas faces de Tiradentes".

Descobri na internet alguns sites que fazem quebra-cabeças a partir de qualquer arquivo de imagem do seu computador. Os sites são esses:

http://www.efeitoespecial.com.br/efeito-especial/quebra-cabeca.php

http://www.scrapee.net/criar-quebra-cabeca.htm

Assim, consegui quatro imagens "quebradas" de Tiradentes. A ideia era separar os alunos em grupos e deixar que colassem os quebra-cabeças na cartolina e depois que cortassem e montassem os mesmos.

As imagens ficaram assim:








Juntamente com cada imagem "quebrada" eu distribuí também a "solução" em tamanho menor. Os alunos se empenharam bastante na montagem dos quebra-cabeças.







Por meio dessa atividade consegui explicar a associação da imagem de Tiradentes à de Jesus Cristo, como na última imagem dos quebra-cabeças e a exaltação de sua figura promovida a posteriori. Expliquei também que como não existia fotografia na época, não se sabe exatamente como Tiradentes foi, uma vez que todas as figuras que eles estavam montando foram produzidas posteriormente. Consegui fazer os alunos entenderem de certa forma que imagens nem sempre representam a realidade e que pessoas e coisas podem ser alvo de mitificação e se tornarem símbolos, adquirindo uma importância que não tinham em sua época. Dito tudo isso, pude falar de Inconfidência Mineira colocando Tiradentes em seu "devido lugar".