quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Sobre estágio e papelices

Primeiramente, acho que devo pedir desculpas pelo sumiço do blog. Desde setembro que não escrevo e é claro que essa ausência teve algum motivo. Prometo organizar o material que tenho para fazer postagens durante as férias.

Estive envolvida com diversos projetos que não tinham a ver com o magistério e com várias obrigações que tinham a ver. Vivi esse semestre, pela primeira vez, a experiência de ser professora do ensino superior... em São Gonçalo. Sim, longe, eu sei, mas se é isso que eu quero fazer da vida, em algum lugar eu tenho que começar.

Fui chamada para ser professora da disciplina Estágio Supervisionado II, que tem por objetivo proporcionar aos alunos do curso de História, futuros professores, vivências significativas e aproximá-los, na medida do possível, da realidade da sala de aula do ensino fundamental. Até aí tudo bem. Não vou questionar a validade do estágio porque o meu, no CAp da UFRJ, como eu já salientei em outras postagens, me proporcionou experiências maravilhosas.

Eu mesma estou em sala de aula, eu mesma sou professora do ensino fundamental. Me sentia capaz de orientar essa turma de futuros estagiários. Entretanto, o fato de eu ter assumido a disciplina em setembro me fez correr contra o tempo para pressionar os alunos para que buscassem logo uma sala de aula para realizar o estágio e professores que se dispusessem a recebê-los e a integrá-los naquele ambiente "entrópico" que é uma escola de ensino fundamental antes de término do ano. Em setembro isso foi desafiador. Sabemos que existem professores que nem sempre gostam de receber estagiários. Alguns se sentem intimidados - porque não dizer, ameaçados - em ter o seu trabalho observado e avaliado por alguém estranho ao cotidiano da escola.

Os estagiários, obviamente estranham no início e acharam tudo aquilo o caos. O ambiente da escola é mesmo assustador para o observador externo. Eu mesma fiquei assustada e no meu primeiro dia como professora achei que nunca mais teria coragem de entrar em uma sala de aula. Os estagiários também se desestimulam ao perceber o desinteresse dos alunos, sua falta de atenção em sala, sua negligência para com as aulas e tarefas. Bem, entre mortos e feridos, salvaram-se quase todos (três desistências em uma turma de catorze estagiários).




Eles observaram o trabalho dos professores em escolas públicas da rede municipal e estadual de São Gonçalo e todos conseguiram cumprir o rito de passagem de dar suas aulas ao fim do estágio.

Eu, como professora de Estágio II, tive que ir a São Gonçalo acompanhar 11 aulas diferentes. Foi ótimo porque conheci vários professores, com diferentes histórias, que estão em sala há muito mais tempo que eu e que desenvolveram, de acordo com o seu estilo, diferentes formas de se relacionar com os alunos.

Esses professores, cada um à sua maneira, apesar de todas as dificuldades, encontram formas de se motivar diariamente para estar em sala, para interagir com os alunos, para proporcionar a alunos de escolas públicas dos rincões de São Gonçalo algo mais do que o conteúdo de História. Duas em especial me marcaram.

A professora M. se dispôs a receber três dos meus estagiários e desde o primeiro momento, por meio do relato deles, pude perceber que estava diante de alguém extremamente comprometido com o seu trabalho. Dando aulas há 20 anos na mesma escola, ela foi capaz de motivar e encantar os meus alunos-professores porque se preocupava com o desenvolvimento e a formação dos seus alunos. Ela, segundo relato dos meus estagiários sempre buscava conhecer as dificuldades de seus alunos, ao mesmo tempo em que exige que eles mantenham uma atitude positiva na relação com os outros. Realmente, em sua sala de aula não vi nenhuma falta de respeito e acreditem, conseguir que os alunos se respeitem é um grande feito para professores que trabalham na rede pública. Os alunos não vêem palavrões, xingamentos ou mesmo agressões físicas, como falta de respeito.




Por outro lado, a professora L. também me surpreendeu. Quando fui acompanhar a aula de um dos meus estagiários, pude perceber que ao fim da aula algumas alunas e ex-alunas da escola esperavam para falar com ela. Uma dessas ex-alunas, pude perceber, estava grávida.

A professora L. me disse que elas estavam esperando para falar com ela porque ela era uma pessoa de confiança, e definiu a sala de aula como um "grande consultório psicanalítico". Ela disse que ia atrás de alguns alunos seus na comunidade quando percebia que eles tinham se envolvido com o tráfico local. Achei fantástica a confiança e proximidade que essa professora estabeleceu com os seus alunos.




Agora, voltemos à realidade da minha escola. Essa semana estamos em Conselho de Classe. Uma correria para corrigir todos trabalhos e provas e fechar notas. Diante de tudo isso, fico me perguntando: de que adiantam tantas papelices se números para garantir índices de aprovação podem e devem ser facilmente manipuláveis?








Me senti idiota quando no início do ano letivo, ao diagnosticar, juntamente com as professoras de Língua Portuguesa e Ciências que dois dos nossos alunos de 6.º ano (5.ª série) eram completamente analfabetos tive que ouvir que eles não poderiam ir para um projeto de alfabetização por não estarem fora da faixa etária. Eles permaneceram onde estavam. Peraí, já não basta eles terem chegado ao 6.º ano sem saber ler? Eles ainda teriam que ser reprovados, para ficar fora da faixa e aí terem a chance de talvez serem alfabetizados?




Me sinto idiota de ver passar de ano alunos que não têm a mínima condição de estar na série em que estão e ainda assim passarão para a série seguinte.

Gosto realmente de ser professora, mas não gosto da burocracia e muito menos de ter que mascarar resultados que eu sei que não condizem minimamente com a realidade. Talvez fosse melhor que eu fizesse um concurso para um órgão qualquer e fosse carimbar papel em alguma repartição pública obscura.




Só mesmo experiências como as das professoras acima é que me fazem ainda ter alguma esperança. Se tem uma coisa que eu aprendi ao longo de alguns anos de análise é que para mudar devemos reconhecer as falhas que temos e não empurrá-las para debaixo do tapete. Enquanto as Secretarias de Educação continuarem ignorando as experiências de quem convive diariamente com os alunos e pressionando-os a mascarar os problemas inventando índices, não vamos a lugar algum.


Aliás, vamos sim, cada vez mais, para o fundo do poço.


PS: Prometo que nas próximas postagens não quebrarei o firme propósito de não-reclamação que orientou a criação desse blog.