sexta-feira, 8 de junho de 2012

"A onda" ou o fascismo está em nós.

Quando eu estava ainda no ensino fundamental, no colégio municipal em que estudei, tive um professor de Geografia que era literalmente "o cão chupando manga". Na primeira prova dele apenas cinco pessoas (de uma turma de mais de 30) se safaram de tirar notas vermelhas. Com ele, tive a minha primeira experiência de fazer trabalhos em grupo de verdade, nos quais o grupo tinha que se reunir para pesquisar a fundo um assunto e organizar verdadeiramente os resultados da pesquisa. Obviamente, a maioria dos alunos não gostava dele. Eu não tinha uma opinião formada. Sempre gostei de estudar e sempre gostei de Geografia (não é à toa que enveredei pelo caminho da disciplina irmã, História) e não via problemas em "perder" o meu tempo com os trabalhos e provas. Entretanto, nunca gostei da maneira arrogante com a qual ele lidava com os alunos, como se fossem idiotas.
Eu mesma senti isso na pele uma vez quando tentei participar de uma aula sobre a Alemanha. Tentando mostrar que já tinha ouvido falar sobre o assunto nazismo, mencionei que vira na televisão um filme sobre uma moça alemã que escondeu judeus em casa e assim salvara a vida deles. Eu não me lembro o nome do filme. Meu professor disse secamente que nós não deveríamos ver esses filmes que mostravam alemães salvando a vida de pobres judeus, pois eles eram tendenciosos. Obviamente, naquela época não entendi muito bem o motivo dessa "proibição", entretanto, hoje entendo muito bem.

Naquela época, o filme mais famoso sobre o Holocausto era "A Lista de Schindler", juntando A + B poderíamos pensar, do alto dos nossos 12, 13 anos que todos os alemães fizeram das tripas coração para salvar judeus em apuros e realmente não era essa a ideia. Alguns alemães podem sim ter arriscado a sua vida para esconder judeus em perigo, mas em contrapartida, quantos outros alemães apoiaram o nazismo? Quantos viam os judeus desaparecer sem se questionar para onde estavam indo? Quantos sabiam do extermínio praticado nos campos? Pesquisas recentes mostram que, ao contrário das versões que dizem que as atrocidades nazistas eram desconhecidas da maioria da população, a sociedade alemã tinha acesso a essas informações por meio da imprensa.

 
(Para entrevista com o autor, ver o link: http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/os-alemaes-sabiam-e-aplaudiam-atrocidades-do-nazismo)

Hoje, professora, estava justamente discutindo com outra professora de História esses dias, como os assuntos Segunda Guerra Mundial e Holocausto interessam os alunos do ensino fundamental. Eles questionam e trazem referências anteriores sobre o assunto vista, sobretudo, em filmes. Comentávamos até que esse interesse todo merecia um estudo.
"A Onda" é um filme espetacular justamente por mostrar uma experiência educacional - que a princípio teria tudo para ser bem sucedida para explicar o fenômeno do nazi-fascismo. O objetivo era mostrar na prática aos alunos como funciona o mecanismo de envolvimento dos regimes totalitários e evidenciar como esses regimes buscavam não somente subjugar as pessoas, mas, sobretudo, conquistá-las.
O filme é baseado em uma experiência ocorrida na Califórnia em 1967. Tal experiência já tinha dado origem a livros e a um documentário. Ganha  agora, a versão do cinema alemão, que vem produzindo filmes espetaculares para reflexão sobre fenômenos da história recente, tais como "Adeus Lênin" e "A vida dos outros".



Ao tentar explicar para seus alunos o funcionamento de um regime autocrático, o professor de ensino médio Rainer Wegner (Jürgen Vogel) é questionado por eles sobre a possibilidade de um regime como o nazista ascender nos dias de hoje. Rainer propõe uma experiência de forte cunho teatral: cria um grupo e torna-se o líder dele. Logo, o grupo ganha um nome "A Onda", uniformes, um slogan e é aí que as coisas começam a fugir do controle. Os alunos, envolvidos com "A Onda" começam a praticar atos de vandalismo, bem como agressões e coação aos alunos que não pertencem ao grupo. Quando o professor tenta encerrar a experiência, é tarde demais.


É um filme que vale a pena ser assistido por professores juntamente com seus alunos, ou não e suscita questões filosóficas acerca da necessidade de pertencimento, a tendência humana a abrir mão da liberdade em prol de uma causa e a intolerância, assunto tão em voga nos dias de hoje em diversos países, dentre eles o Brasil.
Por fim, deixo o discurso do professor Rainer Wegner, proferido no filme como fonte de reflexão:

“Vocês trocaram sua liberdade pelo luxo de se sentirem superiores. Todos vocês teriam sido bons nazi-fascistas. Certamente iriam vestir uma farda, virar a cabeça e permitir que seus amigos e vizinhos fossem perseguidos e destruídos. O fascismo não é uma coisa que outras pessoas fizeram. Ele está aqui mesmo em todos nós. Vocês perguntam: como que o povo alemão pode ficar impassível enquanto milhares de inocentes seres humanos eram assassinados? Como alegar que não estavam envolvidos. O que faz um povo renegar sua própria história? Pois é assim que a história se repete. Vocês todos vão querer negar o que se passou em “A onda’. Nossa experiência foi um sucesso. Terão ao menos aprendido que somos responsáveis pelos nossos atos. Vocês devem se interrogar: o que fazer em vez de seguir cegamente um líder? E que pelo resto de suas vidas nunca permitirão que a vontade de um grupo usurpe seus direitos individuais. Como é difícil ter que suportar que tudo isso não passou de uma grande vontade e de um sonho”.

A questão permanece: o fascismo está mesmo em nós?




3 comentários:

  1. É um tema complexo, mas até hoje, pouco explorado, na minha opinião. Sabia-se do que era feito nos campos de extermínio. As populações se calavam somente por apoiar? Ou havia linhas de fuga dessa tendencia? Pessoas q discordavam mas calavam-se conscientemente por medo? Ou pessoas que simplismente consideravam não ser "problema delas"? Enfim, há certamente uma complexidade nesse contexto que é eclipsado por algumas bases teóricas que talvez superestimam o poder do totalitarismo em realmente conquistar todos os corações e mentes humanas. Sem dúvida a maior parte da população apoiou o nazismo, mas... e as pessoas comuns que não apoiaram, mas permaneceram quietas? Ou apoiaram com ressalvas? Ou ignoravam o contexto político?

    ResponderExcluir
  2. Não assisti o filme, mas a impressão que tenho, ao ler essa pequena resenha, é que há uma tendência a colocar o fascismo como algo irresistivelmente sedutor ou que evoca uma tendência do ser humano. Não sei, parece um pouco essencialista.

    ResponderExcluir
  3. Realmente, o filme parece essencialista em alguns momentos. Alguns membros da "Onda" parecem que não estão fazendo as coisas conscientemente, mas sendo "levados" pela mesma. Pois é, eu acho que essas pessoas que simplesmente ignoram são essas que se deixam levar pela "Onda". Se eu não me engano, é isso que Hannah Arendt chama de "banalidade do mal". Muitas das pessoas que trabalhavam para a máquina nazista achavam que estavam fazendo apenas o seu trabalho. Algo corriqueiro, banal. Outro filme interessante sobre isso é "O Leitor".

    ResponderExcluir